LULA E A NAU DOS INSENSATOS

A CURA PELA COALIZÃO PROGRAMÁTICA

A insatisfação generalizada com os governos na época da Renascença foi representada na imagem da Nau dos Insensatos, embarcação sem rumo, carregada de tripulação e passageiros com diversas formas de loucura. Cidades e Naus compartilhavam a falta de rumo.

No Brasil de hoje, os passageiros são pessoas como a imensa maioria do povo, enquanto a insensatez se encarna no piloto e na tripulação, navegando sem rumo. Neste contexto, a anulação das sentenças do ex-presidente Lula pelo STF provocou um verdadeiro tsunami no cenário político do País.

Melhor seria se a falta de rumo do atual governo fosse uma exceção. Não é. O governo Dilma Rousseff perdeu o rumo ao longo do primeiro mandato, e já começou o segundo totalmente descontrolado. Tampouco foi exceção o governo Temer, muito bem sucedido no início, graças a um projeto de reformas que alcançou amplo consenso e foi, em sua maior parte, convertido em lei. Entretanto, diante de denúncias apresentadas à Câmara dos Deputados, empregou todos os recursos do Executivo para salvaguardar seu mandato. Com isto, seu governo perdeu o rumo.

Assim, as três últimas presidências – Dilma, Temer e Bolsonaro – compartilham algo com a nau dos insensatos: a falta de rumo. Não se trata de maldição divina ou força da natureza, e sim, de uma deficiência do sistema político. Pois os três governos que os precederam, Itamar, FHC e Lula, foram bem sucedidos em manter o mandato.

Nestes 36 anos posteriores à Constituição de 1988, o Brasil foi governado por oito presidentes. Três dentre eles mantiveram uma maioria estável inicial, graças à prévia criação de uma coalizão programática que deu credibilidade à expectativa de cumprimento de seu programa. Foram eles Itamar Franco, Fernando Henrique e Lula.

O sucesso do ex-presidente Lula em 2020, garantindo de antemão uma maioria parlamentar, é atribuído à Carta ao Povo Brasileiro. Trata-se de um manifesto equilibrado, que endossava críticas ao regime vigente, compatíveis com as principais bandeiras da esquerda, e assumia um compromisso de apaziguamento com lideranças conservadoras e com o empresariado.

O sucesso dessa combinação ambivalente deveu-se à persona de Lula, por ser, para uns, capaz de conter os arroubos revolucionários da esquerda e, para outros, por ser considerado incapaz de trair a revolução.

Algo no presidencialismo brasileiro propicia as condições que conduzem os governos à beira do abismo. Apenas a experiência, o acaso e a habilidade de alguns, permitem lutar pela estabilidade e a sobrevivência de seu governo.

O choque produzido pela anulação de todas as sentenças lavradas contra o ex-presidente Lula, decidida pelo ministro Edson Fachin e confirmada por seus pares, embaralhou todas as expectativas em diversas dimensões da vida nacional – jurídica, política e eleitoral. Do ponto de vista jurídico, o ato do ministro é uma demonstração inequívoca do ativismo judicial e da crescente insegurança jurídica em nosso País. Do ponto de vista eleitoral, cria condições para uma repetição do clima polarizado e radicalizado de 2018.

Do ponto de vista político, teremos um Lula já sem o trunfo da Carta ao Povo Brasileiro e sob imensa pressão para antecipar a campanha de 2022. Com isto, esvazia ainda mais, a gestão atual, já sem rumo. Com isto, o povo brasileiro enfrentaria uma escolha insensata entre candidaturas sem maioria parlamentar, e sem planos de gestão.

Se queremos manter-nos sensatos, evitemos um destino de candidatos em excesso com escassez de programa.

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