Prever o futuro é uma função milenar na humanidade
Exige ritos, pode determinar posições de prestígio, influência e poder, e até criar instituições que dela se incumbem. Os erros grosseiros condenam os cidadãos ao desamparo, numa eleição presidencial de consequências dramáticas – ou até trágicas – como será o segundo turno do dia 30 de outubro
Como todo oráculo, as pesquisas ofereciam certeza, com garantia de que seu vaticínio tinha 95% de chances de retratar a realidade. Cada uma de suas mensagens tinha algo de misterioso, a intepretação direta, acrescida de um toque de bolero, dois para cá e dois para lá, permitindo ao cliente um certo jogo de cintura de ciência pura. Com anos de precedência, simulavam e previam a probabilidade de vitória de um competidor sem sequer saber quais seriam os candidatos.
Os erros grosseiros do primeiro turno provocaram, nos clientes mais diretos – campanhas, jornais, empresas que financiaram os custos – um alto grau de desconfiança e exigiram uma resposta sobre onde está o erro. E a resposta dos pesquiseiros foi surpreendente – não houve erro, as amostras estão certas, a variedade de formas de aplicação das entrevistas nada altera, “vocês é que não entenderam, a pesquisa não retrata nada, nem permite vaticinar, trata-se apenas de um instrumento como outro qualquer para os clientes se orientarem na campanha”. Por que não casca de ovo, folha de chá, rodada de cachaça com tira gosto de picanha?
Alguém do Datafolha reconheceu um número preocupante de recusas a responder à entrevista, mas não saberia o que fazer com isso. O resultado do “esperado retrato” da realidade deveria retratar que parte relevante da amostra recusou a entrevista e, portanto, não se sabe se vai ou não votar, nem votará, nem em quem estaria inclinado a votar, anular ou votar em branco. Se os que recusam responder à entrevista fossem 10%, os 40% de um favorito seriam 37% e 32% se 20% recusassem, e assim por diante. E o mesmo valeria para o segundo favorito. Dois candidatos, ambos na casa dos 40%, podem ser vendidos como donos juntos de mais de 99% das “intenções de voto”. Mas poderiam ser apontados nas respostas estimuladas por cerca de 60% ou menos, enquanto nada se sabe sobre os 40% restantes com os quais os pesquiseiros tampouco sabem o que fazer.
Os oráculos podem continuar achando que não erraram, mas precisam se emendar, ou terão que enfrentar seu triste fim.
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