DEU NO ESTADÃO:
O general Mourão, sucessor imediato do Presidente da República, é hoje o principal ponto de sustentação de Bolsonaro. Pretextos não faltam para encerrar legalmente o mandato do chefe do Executivo. A classe política, em cujas mãos está o poder constitucional para fazê-lo, nada decidirá enquanto não souber qual dos discordantes perfis que o vice-Presidente ostenta, herdaria o poder presidencial.
As últimas manifestações do general, a partir de 31 de março, data que os nostálgicos da ditadura preferem adotar, para eternizar a memória do golpe militar de 1964, retratam Mourão como esteio das Forças Armadas. Em sua manifestação naquela data – em ambiente pleno de tensão, provocada pela verdadeira humilhação imposta por Bolsonaro aos comandantes das três forças – o general comemorou a grande dádiva civilizatória e democrática do golpe militar aos brasileiros.
Dias depois – o que permite supor que os dois gestos se completam – publica no Estado (03/04) um artigo laudatório sobre a superioridade da “competência logística e organizacional” dos militares sobre o restante da administração pública. E vai além, promove um claro amálgama entre o governo militarizado de Bolsonaro e algo mais que – segundo ele – “a sociedade brasileira espera de seus militares”: a primeira missão seria o envolvimento da farda com as escolhas feitas, segundo ele, nas eleições de 2018: “condenação da corrupção (…) retomada do desenvolvimento e (…) combate à violência”.
Seria um alívio, pensar que os militares idealizados pelo general assumiriam, como missão civil, colaborar na gestão de um governo que nada tem a ver com o atual. Porque nenhum governo anterior manifestou tão abertamente a falta de compromisso com o combate à corrupção e à violência e com a retomada do desenvolvimento.
De que país, de que planeta, Mourão está falando? Talvez tenha sido o “regime instalado em 1964 que fortaleceu a representação política pela legislação eleitoral, que deu coerência à União e afastou os militares da política”. Da ditadura oriunda do golpe de 64 é que não se trata.
Brevemente, apenas para não distorcer, em tão poucas palavras, tanta História, as iniciativas militares no sistema político foram notáveis: extinguiram os partido políticos existentes, criaram dois partidos por decreto. Não satisfeitos, criaram três legendas (micropartidos) dentro dos partidos que eles mesmos haviam criado e mudaram as regras para dividir a oposição, fragmentando o sistema partidário. Quanto à federação e à coerência da União, transformaram, com um par de canetadas, quatro Territórios dependentes da União em Estados igualmente dependentes da União, e mais dois Estados no Centro-Oeste. Resultado: nada menos do que dezoito senadores a mais, 20% do Senado.
Para afastar-se da política os militares não contaram com o regime, mas com sua própria percepção de quanto a Instituição pagou por envolver-se na competição pelo poder, assumindo os riscos de corrupção e a perda da confiança popular. Quanto ao “regime instalado em 1964”, este levou 21 anos para entregar o poder a quem e direito.
Longe está o perfil bonachão, objetivo e empenhado em políticas públicas. Longe também o perfil conciliador, que estende a mão para o diálogo e se apoia em intelectuais. O mesmo se pode dizer do perfil consistente e hábil que diverge publicamente do Presidente, sem crítica nem confrontação. A opinião pública, especialmente a chamada classe política, tem ouvidos acurados, para ouvir a voz do povo (não necessariamente para atendê-lo), e olhos ainda mais bem treinados, para observar a conduta dos poderosos. Quem seria eventualmente chamado a suceder a Bolsonaro, o vice-Presidente moderado ou o general incendiário do tempo do Clube militar?
Levemos em conta que, dada a antecipação da campanha de 2022, todos estamos aflitos, antes da hora, na expectativa do resultado das próximas eleições. Mas não o Centrão, para o qual não é relevante saber quem será eleito, pois quem quer que seja precisará comer na mão dessa minoria de veto sem compromisso com a nação. Além disso sem compromisso com a estabilidade do governo, ou com a solvência do Tesouro.
Do ponto de vista do Centrão, essa minoria que, hoje, controla o Congresso, o custo de esperar 2022, seria menor do que o de encerrar, às escuras, o mandato de Bolsonaro. Mas, para Mourão, a continuidade do atual presidente no Planalto até 2022 significaria o encerramento de sua carreira política.
Para manter-se como peça relevante no cenário nacional, Mourão não precisaria de uma grande estratégia. Bastaria deixar claro que um eventual governo seu não seria continuidade do governo Bolsonaro. Tudo o que teria a perder seria o que já não tem, o protagonismo que caberia ao seu cargo, o apoio político e financeiro para enfrentar os problemas da Amazônia ou a lealdade do presidente… Muito pouco, portanto.
Quanto ao País, não há dúvidas de que sua sobrevivência como Nação não resistirá à deterioração crescente do desgoverno de Bolsonaro.
Leia a seguir a crônica do mal da Nau dos Insensatos e de sua única cura, a coalizão programática.