É O SEGUNDO MANDATO, MEU CARO
Não creio que, entre meus amigos, colegas e leitores deste blog, ainda existam muitos que duvidem que a malfadada reunião ministerial, que pôs em evidência o que há de mais podre no reino da Dinamarca, também evidenciou a existência de um golpe de Estado em andamento, sustado graças às denúncias de Sérgio Moro. Creio, por outro lado, que a dúvida mais relevante é a de saber se o presidente da República aprendeu com as consequências jurídico-policiais da descoberta, que o levaram a mudar de uma estratégia inconstitucional para uma estratégia eleitoral.
Se assim fosse, o presidente necessitaria uma maioria parlamentar sólida, e durável o bastante, para avançar uma agenda capaz de garantir, seja uma votação suficiente para chegar ao segundo turno com uma ampla dianteira, seja para chegar ao segundo turno numa situação de radicalização extrema, semelhante à de 2018.
Primeiro, como tenho tentado demonstrar, o Presidente não tem como mudar de estratégia, porque não tem bestunto suficiente para entender a diferença entre desejo e objetivo e entre objetivo e estratégia. Para mudar de estratégia é preciso, primeiro, entender que estratégia é essa que se vai mudar. Já para dominar um conjunto de táticas não é necessário entendê-las, basta ser treinado.
Segundo, como bem disse ele mesmo, o Presidente não precisa tomar o poder porque já o tem. O que ele precisa é recuperar um poder não compartilhado com outros poderes, sem limitações legais, sem obstáculos institucionais, sem mediações entre ele e “o povo”, outorgado por poderes acima de todos, e que lhe foram usurpados pelos políticos.
Terceiro, o Presidente não recuou de nenhum de seus objetivos e de nenhum de seus atos depois de flagrado admitindo, em alto e bom som, que queria armar seus seguidores para combaterem, de armas na mão, os usurpadores que abusam do mandato popular. Sua recusa a aceitar, seja a legitimidade dos demais poderes, ou as limitações legais das prerrogativas presidenciais, e mesmo a contradição entre o mesmo e seu oposto são, a meu ver, incompatíveis com um ato efetivo de recuo. Tudo se passa como se ele terceirizasse parte de suas táticas: o Presidente se encarrega de fazer sempre o mesmo e terceiriza seu oposto na boca de seus homens de libré.
Minha hipótese é que o Presidente não está executando um recuo tático com o objetivo de melhor atingir o alvo, apenas tem sido barrado em sua luta pela restauração do poder usurpado. Se assim for, podemos esperar novos rompantes. Isso porque sua agenda não é consistente nem estável o suficiente para garantir uma maioria igualmente consistente e estável capaz, por sua vez, de implementar uma agenda populista atraente para a maioria do eleitorado e minimamente acomodável no orçamento da União.
Entretanto, se o parlamento continuar olhando para o próprio umbigo e desconhecendo os contínuos desafios do Presidente à ordem legal, Bolsonaro poderá, como Dilma, demolir seu próprio capital político durante seus quatro anos de mandato, e mesmo assim chegar minimamente competitivo em 2022. É verdade que a consolidação do mandato indeterminado do líder populista, de Chávez a Xi Jinping, tem ocorrido com o terceiro mandato, mas ter o segundo mandato eleitoral, com a Constituição em farrapos, já é um grande passo em direção ao terceiro.