A conduta do presidente assusta o Planalto e desafia seus opositores, pois parece haver consenso entre as elites dirigentes. Ou ele muda de atitude –para de provocar controvérsias irrelevantes, de se opor a pautas majoritárias na população, para de hesitar diante de decisões vitais para a parte mais vulnerável do eleitorado, e começa a governar seriamente – ou não chegará ao segundo turno.
Interpretar suas motivações parece urgente. Mas não se pode abrir a cabeça das pessoas e observar o que se passa lá dentro. Para entender o comportamento um de político, antes de especular sobre conversas de bastidores ou declarações de intenções, convém observar… seu comportamento.
Muitos são os registros das condutas do presidente como oficial do Exército e como parlamentar, e acompanhamos seu comportamento público durante três anos de mandato. As questões relevantes a observar nessas funções, seriam: saber se seu comportamento segue um padrão ou é errático; em que consiste esse padrão, se houver; e qual é seu objetivo.
É preciso saber se existe continuidade de padrão entre essas funções, ou em que consistiriam as eventuais mudanças de padrão e de objetivo. Resta, ainda, saber se é possível o presidente alterar sua conduta, tornando-a compatível com uma candidatura competitiva no segundo turno de 2022.
A análise destas observações suscita um conjunto de hipóteses sobre o comportamento futuro do candidato. Sua conduta, nos três casos, segue um padrão definido, embora à primeira vista pareça errática: em todos os casos, destacam-se a revolta contra a autoridade, a total ausência de autodisciplina (cujo efeito é a aparência errática), sua submissão a seus supostos liderados, uma espécie de enclausuramento na célula familiar estendida (filhos, ex-mulheres, subordinados imediatos…) – que eu chamaria “familialismo” – além de uma atitude agressiva com 360° de azimute, contra tudo e contra todos.
Sua conduta, nos três casos, só é errática na aparência. Ao contrário, apresenta um padrão definido, faltando estabelecer se existe, em todos eles, um objetivo claro a ser atingido, e de que objetivo se trata.
Sua carreira no Exército é a mais obscura. Do pouco que se sabe, dois objetivos se salientam, associados a dois de seus padrões de conduta: legitimar sua revolta contra a autoridade como expressão de uma suposta demanda coletiva do baixo clero militar, e dar crédito a sua pretensão de liderar uma parcela de seus pares. Relatos de seu ativismo insubordinado e de sua atuação como porta vez de demandas sindicais são conhecidos.
No parlamento, seu comportamento em plenário comprova as ofensas, contra tudo e contra todos, como um objetivo permanente e indiscutível. A falta de agenda legislativa e a ausência de qualquer posto de liderança contrastam com o familialismo enraizado. O familialismo não se limita às vantagens colaterais do mandato parlamentar, trata-se de uma forma de exercício de poder, que traça “quatro linhas”, dentro das quais não há limites para a conduta dos poucos escolhidos, e fora das quais a sobrevivência exige total submissão.
Na carreira de chefe do Executivo, os fatos comprovados são abundantes e compartilhados diuturnamente por todos nós. Sua revolta contra a autoridade é patente, seja frente a instituições superiores, como o Congresso e o Supremo, seja diante dos entes federados. O mesmo quanto às prerrogativas de carreiras de Estado e órgãos autônomos da administração pública, tais como agências, autarquias, ou órgãos encarregados da ordem pública e da defesa, além de sua desconsideração dos obstáculos imaginários ou reais a suas birras.
A falta de auto disciplina alcança outro patamar na presidência. Sua oscilação entre ativismo verbal e paralisia decisória afeta questões de vida e morte, como a fome, o desabrigo e a vulnerabilidade ante a pandemia, num contexto de imprevisibilidade dos rumos da economia.
A inversão de papéis entre o mito e a realidade de sua subordinação às agendas que lhe são impostas por seus supostos seguidores, é outro de seus padrões de comportamento. Ela ocorre tanto com agendas de seus pequenos grupos de interesses – religiosos, profissionais ou sindicais – quanto para sua relação com o chamado Centrão, cujos objetivos hoje predominam sobre as iniciativas presidenciais.
Quanto ao familialismo bastaria citar todos os imbróglios compartilhados entre a família presidencial e a Polícia Federal, a Abin, o Tribunal de Justiça do Rio, o STJ, o Coaf, para entender o que significam as “quatro linhas” dentro das quais o presidente admite operar.
Aparentemente disparatados, os objetivos da conduta presidencial redundam, na prática, em substituir o aparato constitucional da República pelos devaneios de um candidato a déspota.
Pode ele reverter um padrão de conduta tão arraigado? Reconhecer os erros, corrigir sua trajetória e se empenhar em entender as necessidades vitais do povo brasileiro? Se disso depender seu acesso ao segundo turno, pode esquecer.