O TRITE FIM DO ORÁCULO DAS PESQUISAS

Prever o futuro é uma função milenar na humanidade

Exige ritos, pode determinar posições de prestígio, influência e poder, e até criar instituições que dela se incumbem. Os erros grosseiros condenam os cidadãos ao desamparo, numa eleição presidencial de consequências dramáticas – ou até trágicas – como será o segundo turno do dia 30 de outubro

Como todo oráculo, as pesquisas ofereciam certeza, com garantia de que seu vaticínio tinha 95% de chances de retratar a realidade. Cada uma de suas mensagens tinha algo de misterioso, a intepretação direta, acrescida de um toque de bolero, dois para cá e dois para lá, permitindo ao cliente um certo jogo de cintura de ciência pura. Com anos de precedência, simulavam e previam a probabilidade de vitória de um competidor sem sequer saber quais seriam os candidatos.

Os erros grosseiros do primeiro turno provocaram, nos clientes mais diretos – campanhas, jornais, empresas que financiaram os custos – um alto grau de desconfiança e exigiram uma resposta sobre onde está o erro. E a resposta dos pesquiseiros  foi surpreendente – não houve erro, as amostras estão certas, a variedade de formas de aplicação das entrevistas nada altera, “vocês é que não entenderam, a pesquisa não retrata nada, nem permite vaticinar, trata-se apenas  de um instrumento como outro qualquer para os clientes se orientarem na campanha”. Por que não casca de ovo, folha de chá, rodada de cachaça com tira gosto de picanha?

Alguém do Datafolha reconheceu um número preocupante de recusas a responder à entrevista, mas não saberia o que fazer com isso. O resultado do “esperado retrato” da realidade deveria retratar que parte relevante da amostra recusou a entrevista e, portanto, não se sabe se vai ou não votar, nem votará, nem em quem estaria inclinado a votar, anular ou votar em branco. Se os que recusam responder à entrevista fossem 10%, os 40% de um favorito seriam 37% e 32% se 20% recusassem, e assim por diante. E o mesmo valeria para o segundo favorito. Dois candidatos, ambos na casa dos 40%, podem ser vendidos como donos juntos de mais de 99% das “intenções de voto”. Mas poderiam ser apontados nas respostas estimuladas por cerca de 60% ou menos, enquanto nada se sabe sobre os 40% restantes com os quais os pesquiseiros tampouco sabem o que fazer.

Os oráculos podem continuar achando que não erraram, mas precisam se emendar, ou terão que enfrentar seu triste fim.

MEU LIVRO SOBRE “BOLSONARO: UM CASO DE NEO-POPULISMO MALIGNO” JÁ ESTÁ À VENDA NO SITE DA EDITORIAL FONTE E NA LIVRARIA MARTINS FONTES.

LULA E AS BENGALAS DO MEDO

BOLSONARO: UM CASO DE NEOPOPULISMO MALIGNO ESTÁ À VENDA NA LIVRARIA MARTINS FONTES E NA FONTE EDITORIAL http://www.fonteeditorial.com.br

Desde que se tornou conhecido e popular, sobretudo entre as elites empresariais e acadêmicas, Lula nunca foi, digamos assim, modesto. Mas depois que rompeu a frente única de oposição ao regime militar, e criou seu próprio partido, sua ambição deixou de ter limites, e sua pretensão foi tal que, depois de eleito presidente, chegou a dizer que foi ungido por Deus para salvar o País.

De novo candidato à Presidência, esperava-se um Lula mais maduro, mais experiente e realista, com relação a um processo eleitoral tão complexo. Sua polarização artificial com Bolsonaro, e a conjunção de crises – política, econômica, sanitária e global – tornam o andamento da campanha imprevisível. Não aprendeu nada, não esqueceu nada, uma vez que, parodiando o antigo Rei de França, parece dizer abertamente que “o programa sou eu”, a “garantia de minhas promessas sou eu”, as “alianças regionais, quem faz sou eu”.

Portando-se como garantidor de si mesmo e seu apego a um suposto legado celestial, sugere que o ex-presidente continuaria chefe da turma do “eu sozinho”, preterindo, ou simplesmente afastando seus companheiros demasiado independentes ou capazes de lhe fazer sombra. Eis que, para surpresa geral, Lula surgiu em público de bengala.

Ele já não promete nada sem apoiar-se em uma bengala imaginária, representada por Geraldo Alckmin, ora para se entender com o empresariado, ora para apaziguar radicais, ora para inviabilizar candidaturas de tucanos. Outra bengala, a antes desprezada Marina Silva, tem sido recentemente ostentada pelo petismo como salvadora da candidatura Lula. Uma terceira bengala é agora Henrique Meirelles, cujo papel no governo Lula foi um afrouxamento deliberado do gasto público e o controle da inflação à custa de uma contínua elevação da taxa de juros, que entregou ao governo Dilma uma recessão jamais vista.

O fato de admitir modestamente que, como todo mortal, pode precisar da colaboração e da ajuda de outrem, merece crédito ou trata-se apenas de uma tática eleitoral? Ora, em vez de estender a mão – em troca de concessões políticas mútuas – para os partidos, os candidatos e os eleitores não alinhados com a polarização, a atitude do lulopetismo tem sido a de demonizar o voto independente, acusando-o de traição, de egoísmo, de adesão ao bolsonarismo, quando não de fascismo.

Devemos rejeitar a impostura petista de que a vitória de Lula no primeiro turno é a única decisão moralmente íntegra, ideologicamente  correta, livre e patriótica, capaz de enfrentar a inevitável catástrofe supostamente provocada pelo segundo turno. Não devemos repetir 2018, quando as decisões de voto foram, em grande parte, tomadas por rejeição, e não por convicção, por puro medo do candidato tido como o mais daninho.

Ora, não há nada, de bom ou de ruim, que possa acontecer no segundo turno, e que não possa acontecer no primeiro. Nada!

Precisamos repudiar essa tática de semear medo entre o eleitorado independente, para que renuncie ao seu direito de votar livremente. O medo não é bom conselheiro, o ódio também não. No primeiro turno, vamos votar no melhor.

[CONTINUE LENDO ABAIXO, ENTREVISTA COM JORNALISTA CHILENO SOBRE AS ELEIÇÕES]

PERFIL POLÍTICO DAS CANDIDATURAS MAJORITÁRIAS

MEU NOVO LIVRO À VENDA NA LIVRARIA MARTINS FONTES E NA FONTE EDITORIAL http://www.fonteeditorial.com.br/fonte-editorial-catalogo/bolsonaro-um-caso-de-neopopulismo-maligno/

Méndez – Se dice que esta es la campaña electoral más polarizada en Brasil en décadas. ¿Cuáles serían las principales razones para esta polarización?

JAGA – A polarização foi criada na era Lulista, por meio de uma política de exclusão dos partidos, das instituições e da opinião pública de oposição. O contexto de alta insatisfação popular com relação à classe política e ao governo de modo geral propiciou o surgimento de Bolsonaro, cujo crescimento como candidato à presidência foi respondido pelo PT com uma radicalização dos extremos. Bolsonaro respondeu nos mesmos termos e, desde então, Lula e Bolsonaro alimentaram entre si a polarização, que age para excluir os moderados.

Méndez – El ex Presidente Lula da Silva, según los sondeos, tiene una ventaja de unos 15 puntos sobre el mandatario Jair Bolsonaro, quien busca la reelección. ¿Ve usted factible un triunfo en primera vuelta del candidato Lula o es más posible un balotaje?

JAGA – Balotagem é o mais provável. Lula e o lulismo jamais foram eleitos no primeiro turno, mesmo no auge da era Lula. O PT nunca controlou mais do que 25% do eleitorado e sempre se recusou a aproximar-se dos moderados e, até 2018, sempre tratou os moderados como principal inimigo. Até Fernando Haddad, quando substituiu Lula como candidato à  presidência, recusou-se a aliar-se ao centro, e mesmo a Ciro Gomes, também de esquerda. Hoje, Lula e o PT continuam a hostilizar os independentes. ¹

Méndez – Cuáles son los planes de gobierno que ha presentado Lula? y ¿cuál es el programa de gobierno del Presidente Bolsonaro? 

JAGA –No lo tienen. El programa son  ellos mismos.

Méndez – Cuáles son las fortalezas y debilidades del candidato Lula?

JAGA – Sua enorme habilidade para cativar todos os seus interlocutores e o eleitorado, sobretudo o povo mais vulnerável. Sua capacidade para comprar políticos, empresários e o povo cuja subsistência depende do Estado. No começo de sua carreira, dada sua popularidade com os sindicalistas e da admiração das classes dirigentes por sua capacidade de aprender rapidamente a lidar com os pobres e os ricos. Sua principal debilidade é sua alta ambição e sua imensa pretensão que não lhe permite aceitar quem não se curva diante de sua suposta grandeza.

Méndez – Y ¿cuáles son las fortalezas y debilidades del Mandatario Bolsonaro?

JAGA – Ele foi o único a expressar a insatisfação popular contra tudo e contra todos, desde 2013, com grandes protestos nas ruas, e a maneira radical de Bolsonaro para explorar essa insatisfação atraiu parcelas do eleitorado que esperavam uma mudança radical e rápida, e não entendiam suficientemente a política acreditando que Bolsonaro sozinho mudaria tudo.

Méndez – ¿Cuál es el perfil de los votantes de Lula da Silva y de Bolsonaro?

Ver arriba

Méndez – ?Finalmente, ¿cuál es el contexto económico y social en que se encuentra Brasil en vísperas de las elecciones?

JAGA – O governo Bolsonaro promoveu políticas insustentáveis, que resultou em alta de preços, desestabilização do setor produtivo, alto endividamento público e privado, e baixo ou nulo crescimento, provocando desconfiança generalizada dos investidores e consumidores. O sentimento da sociedade é de medo dos desdobramentos sociais, econômicos e de violência, dadas as ameaças de golpe de Estado contidas nos pronunciamentos da presidência. Mas a sociedade não está polarizada nem radicalizada, está perplexa.




[1] A duas semanas da eleição, Lula e o PT adotaram uma atitude triunfalista diante de sua dianteira nas estimativas dos institutos de pesquisa, e atacaram raivosamente os candidatos independentes, acusando-os de traição para favorecer Bolsonaro.

BOLSONARO: UM CASO DE NEOPOPULISMO MALIGNO

LANÇAMENTO DE MEU NOVO LIVRO

Este livro contém todos os blogs postados desde 27 de março de 2019 até agora, com exceção de micro crônicas bem humoradas (Pérolas do dia-a-dia), que perderam a pertinência e a graça. À guisa de introdução, o leitor encontrará uma análise da conjuntura política recente do Brasil, que tenta explicar o nexo causal entre a radicalização e a eleição de um aventureiro populista de direita:

Bolsonaro: o caso de um neopopulismo maligno.

Todos os textos estão sendo publicados na íntegra, revisados na forma e corrigidos de erros, sem alteração dos argumentos nem de seu conteúdo analítico. Espero ter proporcionado uma linha do tempo esclarecedora e um filme realista dos tempos trágicos de um mito personificado por uma personagem canhestra e simplória, que talvez nem se tenha dado conta do mal que está fzendo à sua pátria.

O Lançamento será na próxima quarta-feira 21, das 18h às 21h, na Livraria Martins Fontes, Av. Paulsta 509, esquina com a Brigadeiro Luis Antônio. Conto com sua presença para nos reencontrarmos depois de tanto distanciamento e tomarmos um vinho.

A CANDIDATURA DE BOLSONARO TEM JEITO?

A conduta do presidente assusta o Planalto e desafia seus opositores, pois parece haver consenso entre as elites dirigentes. Ou ele muda de atitude –para de provocar controvérsias irrelevantes, de se opor a pautas majoritárias na população, para de hesitar diante de decisões vitais para a parte mais vulnerável do eleitorado, e começa a governar seriamente – ou não chegará ao segundo turno.

Interpretar suas motivações parece urgente. Mas não se pode abrir a cabeça das pessoas e observar o que se passa lá dentro. Para entender o comportamento um de político, antes de especular sobre conversas de bastidores ou declarações de intenções, convém observar… seu comportamento.

Muitos são os registros das condutas do presidente como oficial do Exército e como parlamentar, e acompanhamos seu comportamento público durante três anos de mandato. As questões relevantes a observar nessas funções, seriam: saber se seu comportamento segue um padrão ou é errático; em que consiste esse padrão, se houver; e qual é seu objetivo.

É preciso saber se existe continuidade de padrão entre essas funções, ou em que consistiriam as eventuais mudanças de padrão e de objetivo. Resta, ainda, saber se é possível o presidente alterar sua conduta, tornando-a compatível com uma candidatura competitiva no segundo turno de 2022.

A análise destas observações suscita um conjunto de hipóteses sobre o comportamento futuro do candidato. Sua conduta, nos três casos, segue um padrão definido, embora à primeira vista pareça errática: em todos os casos, destacam-se a revolta contra a autoridade, a total ausência de autodisciplina (cujo efeito é a aparência errática), sua submissão a seus supostos liderados, uma espécie de enclausuramento na célula familiar estendida (filhos, ex-mulheres, subordinados imediatos…) – que eu chamaria “familialismo” – além de uma atitude agressiva com 360° de azimute, contra tudo e contra todos.

 Sua conduta, nos três casos, só é errática na aparência. Ao contrário, apresenta um padrão definido, faltando estabelecer se existe, em todos eles, um objetivo claro a ser atingido, e de que objetivo se trata.

Sua carreira no Exército é a mais obscura. Do pouco que se sabe, dois objetivos se salientam, associados a dois de seus padrões de conduta: legitimar sua revolta contra a autoridade como expressão de uma suposta demanda coletiva do baixo clero militar, e dar crédito a sua pretensão de liderar uma parcela de seus pares. Relatos de seu ativismo insubordinado e de sua atuação como porta vez de demandas sindicais são conhecidos.

No parlamento, seu comportamento em plenário comprova as ofensas, contra tudo e contra todos, como um objetivo permanente e indiscutível. A falta de agenda legislativa e a ausência de qualquer posto de liderança contrastam com o familialismo enraizado. O familialismo não se limita às vantagens colaterais do mandato parlamentar, trata-se de uma forma de exercício de poder, que traça “quatro linhas”, dentro das quais não há limites para a conduta dos poucos escolhidos, e fora das quais a sobrevivência exige total submissão.

Na carreira de chefe do Executivo, os fatos comprovados são abundantes e compartilhados diuturnamente por todos nós. Sua revolta contra a autoridade é patente, seja frente a instituições superiores, como o Congresso e o Supremo, seja diante dos entes federados. O mesmo quanto às prerrogativas de carreiras de Estado e órgãos autônomos da administração pública, tais como agências, autarquias, ou órgãos encarregados da ordem pública e da defesa, além de sua desconsideração dos obstáculos imaginários ou reais a suas birras.

A falta de auto disciplina alcança outro patamar na presidência. Sua oscilação entre ativismo verbal e paralisia decisória afeta questões de vida e morte, como a fome, o desabrigo e a vulnerabilidade ante a pandemia, num contexto de imprevisibilidade dos rumos da economia.

A inversão de papéis entre o mito e a realidade de sua subordinação às agendas que lhe são impostas por seus supostos seguidores, é outro de seus padrões de comportamento. Ela ocorre tanto com agendas de seus pequenos grupos de interesses – religiosos, profissionais ou sindicais – quanto para sua relação com o chamado Centrão, cujos objetivos hoje predominam sobre as iniciativas presidenciais.

Quanto ao familialismo bastaria citar todos os imbróglios compartilhados entre a família presidencial e a Polícia Federal, a Abin, o Tribunal de Justiça do Rio, o STJ, o Coaf, para entender o que significam as “quatro linhas” dentro das quais o presidente admite operar.

Aparentemente disparatados, os objetivos da conduta presidencial redundam, na prática, em substituir o aparato constitucional da República pelos devaneios de um candidato a déspota.

Pode ele reverter um padrão de conduta tão arraigado? Reconhecer os erros, corrigir sua trajetória e se empenhar em entender as necessidades vitais do povo brasileiro? Se disso depender seu acesso ao segundo turno, pode esquecer.

BIDEN, MACRON, BORIS E SCHOLZ DECIDEM O FUTURO DA UCRÂNIA

Com invasão e ameaças, Putin está em guerra contra os EUA. Quanto mais tempo mantiver tropas na Ucrânia tanto mais ameaçará o Leste Europeu e a Europa Ocidental. Daí para o Báltico e os nórdicos, o coração da Europa ficará sob sua mira.

Enquanto isso, Biden discute uma hora, adivinha com quem… Boris, Macron e Scholz, sobre o futuro de quem? da Ucrânia, que o time EUA/OTAN/UE pressiona para ceder o mais rápido possível diante das ameaças dos russos.

A aposta da Aliança Atlântica é que Putin se retire rapidamente do território invadido e nunca mais volte a desrespeitar a Carta da ONU e a ameaçar a paz mundial. E olha que ainda faltam 3 dias para o 1° de abril.

O GOLPE DAS URNAS

Bolsonaro sempre foi detido em sucessivos surtos obsessivos pela reedição do AI-5, contra o combate à pandemia, contra a prerrogativa legislativa do Congresso, contra a apuração de crimes atribuídos a sua família e contra o voto secreto.

Barraram sua insensatez, ora seus generais palacianos, ora o Congresso, o judiciário, os governadores e prefeitos e a sensatez do povo brasileiro, que optou maciçamente pelo combate à pandemia. Ganhar legalmente a eleição não estava na agenda.

Seus ataques ao voto, antes detidos, agora recrutam militares e um partido. Ministro da Defesa interfere na Justiça Eleitoral. Chega de lenga-lenga, a “harmonia” fou rompida. Ou as instituições dão um basta ou não teremos eleições.

A PAZ NAS MÃOS DOS GRANDES

Os mais importantes centros de estudos de segurança de dez países do Leste Europeu, da Europa Ocidental, do Báltico, frente à questão “A Europa está preparada para pagar o preço da paz na Ucrânia?”, responderam que sim, mas até quando?

Não se sabe: enfrentar sequelas de sanções, da massa de refugiados, risco de inflação e recessão, por uma causa nobre, é uma coisa. O custo de evitar a dependência da Rússia é outra coisa. Custos imediatos e duradouros são ambos desiguais.

Prioridades de Biden diferem dos países, e de suas percepções de risco. A estratégia americana reage às ameaças de Putin, estendendo as hostilidades. Sua continuidade é fatal para a Ucrânia. EUA e Rússia estão em guerra, cabe-lhes fazer a paz.

O OCASO DE PUTIN?

Putin foi longe demais em 2014, quando anexou a Criméia, pensando que anexar a Ucrânia teria o mesmo descaso, no Ocidente, que seu tratamento criminoso contra os povos da Chechênia, da Geórgia e da Bielorrússia, pois além de violar a Carta da ONU, ameaçou a Europa.

*

Passou da ameaça à invasão sem quartel, diante resistência retórica ao cerco à Ucrânia. Sua fantasia de criar um império de Estados satélites, do Norte ao Leste da Europa, já não permite recuo. Sem desmilitarizar toda a Europa, sairá derrotado.

*

Foi buscar lã e saiu tosquiado. Tentou tirar proveito das dissensões na Otan e na União Europeia e provocou uma união jamais vista no resto do mundo. Com as exceções que bem conhecemos…

*

O custo em vidas de soldados, em desorganização da economia e do comércio, em credibilidade global, em negócios de oligarcas e em orgulho militar, será um solo fértil para o separatismo sempre latente nas províncias oprimidas e exploradas.

Com meus votos de uma paz duradoura.

PÉROLAS DO DIA A DIA

A PONTE QUE PARTIU

PT anuncia uma ponte para o “outro lado” (leia-se: quem quer que não reze pela mesma cartilha). Apoiada pelo Timoneiro, mas não assinada por ele, a carta tenta repetir a de 2002 – ao “Povo Brasileiro” – que logrou cooptar os empresários.

Estender a mão ao centro em 2018, poderia ter dado certo, mas Lula/Haddad fechou a campanha atacando o “legado de FH”. Se quer estendeu o pé para os próximos do lulismo, como o Ciro Gomes. O outro lado é o lado errado, pois não adere ao BolsoLulismo, nem se deixa comprar.

Repetir “nós e eles”, “lado certo e lado errado” não faz jus ao gênio político do Timoneiro. Hoje, só serve para polarizar com o Mito. Quer o voto de centro? esqueça estatizar, repolitizar estatais, ou reinventar a política econômica.

*

PÉROLAS DAS FEDERAÇÕES DE PARTIDOS

Congresso ataca a cláusula de barreira, que ficou mais exigente para a sobrevivência de partidos nanicos a partir de 2022. “Federações”, num passe de mágica, fariam um punhado de micropartidos virarem um só nanico. Só esqueceram da política.

Para salvar nanicos, bastaria juntar um punhado de deputados federais de partidos “federados”. Federações mexem com 54 candidatos ao governo e ao Senado, mais de 500 à Câmara, sem falar em estaduais e, em 2024, prefeitos e vereadores. É mole?

Alianças foram feitas de FH a Bolsonaro, sem exceção. Uma convenção elege o candidato, outra convenção elege o vice, e o resto se resolve, ou não, à base da conversa. Política não se resolve em 3 artigos, 9 parágrafos e 7 incisos (vagos).

*

PÉROLAS DE PARTIDOS NANICOS

Partido político é uma federação de tendências. Somente partidos únicos têm unanimidade – à força, claro. Tendências mais extremas e ortodoxas convivem com outras, mais conciliadoras e tolerantes, seja para sobreviver ou tirar vantagem.

Partidos se criam para exercer poder. Ideias servem de bandeira e pano de fundo. Quanto mais ortodoxas as ideias, menor é o partido e mais restrita a influência. Quanto maior o partido, mais escassas as ideias e mais poder a assumir.

A federação visa viabilizar partidos inviáveis, sobretudo de esquerda, buscando assumir mais poder, como os grandes, e preservando ortodoxia, como os pequenos. Herdarão dos pequenos a influência limitada e, dos grandes, a escassez de ideias.

*

BANDIDAGEM NÃO É ESTRATÉGIA

A discussão sobre a engenhosidade de Putin, em sua agressão contra estabilidade das democracias ocidentais, lembra a inútil saga das motivações que explicariam o tortuoso comportamento dos líderes populistas.

O que Putin faz é bandidagem. Se tentam invadir sua casa, chame a polícia, não especule como melhor agradar o bandido e convencê-lo a desistir. Construir os arranjos institucionais que garantem a ordem pela disputa política é longo e difícil. Corroer instituições é rápido e fácil.

O Vigarista leva a todos na conversa e, o miliciano, no porrete. Um glorifica ditadores e estende a mão para os democratas, outro ameaça a Lei e defende a liberdade. Farinhas do mesmo saco, merecem o lixo da história.

PÉROLAS DO DIA A DIA

PRESIDENCIALISMO DE ORÇAMENTO

Presidencialismo de Orçamento é o novo regime brasileiro de governo. O pior presidencialismo do mundo, que deságua sempre em governos minoritários, incita os partidos a disputarem, em vez do poder, um naco do orçamento.
O Congresso enfrentou um Bolsonaro desafiador, mas sem cacife. De joelhos, tentou comprar o Centrão: acabou entregando o governo e foi cuidar de suas obsessões. Com três anos sem governo, mais vale partilhar o orçamento do que disputar o governo.
Estou mal informado, ou todos os partidos admitem que disputar a presidência é secundário e aumentar a bancada é o que vale? Bolsonaro e o Centrão já deixaram claro que governar é um ônus inútil e partilhar o orçamento é o verdadeiro bônus.

*

        LULINHA PAZ E AMOR JÁ NÃO É O MESMO
Lula ganhou todos os debates que disputou, metade se elegeu e metade perdeu. O melhor marketing sempre foi o do PT, ganhou metade, metade perdeu. Lula de barbudo enfezado, sempre perdeu. Fantasiado de Lulinha Paz e Amor, sempre ganhou.
Lulinha publicou um pacto com os Grandes, oposto ao que dizia ao seu Povo. Incinerou o “neoliberalismo” de FH, mas adotou à risca seu legado. Seu malabarismo foi imenso e a incompetência de seus opositores ainda maior. Mas tudo mudou.
Já não sabe o que fazer com a economia e a política. Não consegue manobrar a esquerda nem atrair a direita. Seu esquerdismo não engana e a barretada à direita não funciona. Ainda é bom para embaralhar as cartas, mas não para tirá-las da manga.

*

BOLSO-LULISMO, O NOVO POPULISMO
A tática BolsoLulista da polarização precisa do povo repudiar como o tratam as instituições de governo. Melhor para populistas de esquerda ou direita. Só um novo líder que dispense as instituições e elimine os políticos pode salvar o País.
Condições do sucesso do populista: popularidade e habilidade no jogo do nós ou eles. É “nada se fez nos últimos 522 anos sem a mão ungida do Timoneiro”, contra “a mão armada do Mito vai acabar com tudo o que se fez nos últimos 522 anos”.
3ª Via é uma via: uns vão em frente, outros para trás, outros nada. O critério comum dos partidos é a popularidade, mais a habilidade para emular os BolsoLulas. Bom para neófitos sem programa nem equipe de governo. Ruim para todos nós.

*

                              PÉROLAS DE CIRO

Ciro sabe o que quer, diz o que quer, faz sempre o que bem entende, e o resultado é sempre o mesmo: sem fôlego para o 2° turno. É preparado, experiente, deixou legado no governo do Ceará, mas não aprende com as próprias derrotas.

Em 2018, foi uma das apostas da 3ª via. Com a esquerda ocupada por Lulhaddad, só restava ir para a direita para enfrentá-lo no 2° turno. Ou ficar credor do Lulhaddad renunciando para apoiá-lo. Não fez uma coisa nem outra. Deu no que deu.

Voltou mais Ciro do que nunca, na linha contra Deus e o mundo. Abriu sua campanha com um pot-pourri do que há de mais controverso, tanto na esquerda petista quanto na direita bolsonaresca, além de execrado entre os moderados. Tem jeito?

TEM MORO NA COSTA

DEU NO ESTADÃO

Para os portugueses da época das invasões mouriscas, a presença de mouros na costa era, evidentemente, prevista, mas como, quando e onde tentariam o desembarque, era imprevisível.

Que o ex-juiz da Lava Jato, Sérgio Moro, poderia retomar sua breve carreira política, estava previsto. Mas não era previsível como, quando ou onde ocorreria, nem muito menos que faria tábula rasa da pré-campanha eleitoral.

O retorno de Moro provocou um choque de realidade no processo sucessório, porque mostra que nem a reeleição de Bolsonaro, nem a volta de Lula estão garantidas. Alguns candidatos, partidos e “analistas” deram sinal de alívio ou de esperança, outros se mostraram desapontados ou enraivecidos.

Com base no que tenho observado e compartilhado neste espaço, a entrada de um candidato competitivo na chamada terceira via, poderia desacreditar a tática da polarização e, com isso, reduzir a pulverização do espaço do centro. Minha hipótese é que a polarização entre os extremos, somada à pulverização dos moderados, é o que abre caminho para candidatos aventureiros.

Seria Moro mais um aventureiro, tendo como único trunfo sua popularidade no terreno da Lei e da Ordem, sem experiência política, sem um currículo de gestor público ou de legislador, sem capacidade para reunir uma equipe capaz de montar um governo? Tecnicamente, diria que sim, mas saber se sua candidatura irá reproduzir a trajetória do aventureirismo político ou se vai construir algo mais sólido, depende dos passos que tomará daqui até o primeiro turno.

É razoável a surpresa de todos com o Moro candidato. Alguns contavam que ele voltaria como mais um neo-populista, já sem carisma, e sem estofo político. Outros reagiram como se enxergassem, em sua conduta, algo além de sua popularidade: uma posição política conservadora, economicamente liberal e alguma disposição para abraçar políticas progressista do ponto de vista social e ambiental.

Seriam essas expectativas otimistas suficientes para Moro ser bem sucedido em montar uma candidatura com reais chances de ser competitiva? Moro só será competitivo se neutralizar a tática de polarização, com o objetivo maior de reduzir, drasticamente, a fragmentação dos moderados. Seu obstáculo imediato, por outro lado, será o sucesso da dupla Lula/Bolsonaro em dar nova vida à polarização e contribuir para consolidar a fragmentação do resto do eleitorado.

A pressão sobre ele para polemizar com Bolsonaro e Lula já é crescente e deverá aumentar durante a campanha propriamente dita. Para não ser engolido pela polarização forçada, terá que evitar, a qualquer custo, envolver-se em temas restritos às questões de Lei e Ordem que confirmariam a pecha de arremedo de Bolsonaro ou ser reduzido a um algoz de Lula.

Resta saber quais fatores contribuem para o sucesso ou o fracasso da candidatura Moro.

O maior risco que ele pode correr é o de ficar refém do eleitorado de direita, pois dividiria com Bolsonaro a intenção de voto, sem ganhar nada em troca. Essa divisão poderia inviabilizar o acesso de ambos ao segundo turno.

Portanto, o futuro de Moro depende de sua capacidade de mover-se em direção ao centro. O primeiro passo foi dado quando procurou associar seu perfil ao de um economista respeitado, com posições liberais e capacidade de atrair apoio na sociedade civil, especialmente entre especialistas com experiência de governo, que são amplamente reconhecidas.

Mas não basta, pois a candidatura Moro está atrelada a um partido pequeno, mais conhecido por sua falta de orientação política clara do que por sua contribuição ao processo político nacional. Isto significa que caberá ao candidato dar suporte ao sucesso eleitoral do partido, e não o inverso. Se não reunir, em torno de sua candidatura, uma coalizão mais ampla, dificilmente poderá ir longe.

Outro obstáculo é o espaço político congestionado por pré-candidatos. Também não é suficiente sinalizar, com palavras, o desejo de cumprir as expectativas do eleitorado situado entre o centro-direita e o centro-esquerda. Moro preciso montar uma aliança formal em que parte relevante desse eleitorado moderado confie. Isso significa aliar-se a partidos tradicionais com base municipal e estadual bem estabelecidas.

Apenas uma aliança bi ou tri partidária, com divisão bem clara de papéis, na eleição e no futuro governo, e que compartilhe uma plataforma de objetivos convergentes, será capaz de evitar que a candidatura fique restrita à direita, de dar credibilidade ao suporte partidário do candidato, e de atrair o voto identificado com a terceira via.

Assim, a probabilidade de que o alívio e a esperança, aparentemente provocados pelo choque do retorno de um Moro mais assertivo, venha a render voto na urna, seria superior à probabilidade de que Lula/Bolsonaro recuperem os votos conquistados em 2018, uma vez que a polarização dos extremos e a fragmentação dos moderados dependem de fatores que nem um nem outro pode controlar.

Todos tratam Moro como a bola da vez. Resta saber o que ele fará com a bola.

CONTO DE UM GOLPE ANUNCIADO

DEU NO ESTADÃO

Reza a lenda que Pedro, tendo enganado todos os adultos, escondido na mata e gritando “lá vem o lobo”, não foi comido pelo lobo contrariando outras narrativas. Sobreviveu ao lobo e livrou-se das devidas punições dos adultos, que lhe ofereceram perdão em troca de sumir e não mais voltar. E lá se foi Pedro, dar golpes na vida.

E tantas fez, sempre enganando os incautos com ameaças de lobos, que Pedro um dia virou presidente de uma República tão instável, tão dividida pelo ódio, tão rapidamente empobrecida, tão corroída pela corrupção, tão abatida pela peste, que nenhum homem de bem conseguia se fazer ouvir, quanto mais virar presidente.

E assim, já como como Pedro, o lobo, assumiu o poder e uma nova carreira de golpista. Prometeu acabar com todos os lobos, todas as leis, todos os usurpadores de seu poder absoluto, por todo os meios, de preferência ilícitos. Logo distribuiu peles de ovelha para as matilhas, pouco numerosas mas vorazes, que o cercam na crença de participarem do festim propiciado por seu infinito poder.

Logo, passou a ocultar, sob uma pele de lobo, suas fraquezas, sua pusilanimidade, sua indecisão, sua reação baseada no puro impulso, sua incapacidade de imaginar uma agenda positiva. Guardou para si a tarefa de destruir, de modo nada meticuloso, mas extremante persistente, todas pessoas, grupos, instituições, leis e costumes com os quais se mostrou incapaz de conviver.

Tentou de tudo para recuperar seu delírio de um poder absoluto que lhe teria sido usurpado pelos adultos, isto é, tudo o que encarnasse leis, prerrogativas, direitos, valores morais e, sobretudo, honestidade e competência. Tentou domesticar à força o Conselho de Comissários, que podia aprovar e recusar leis que não resultassem integralmente de seus próprios desejos. Tentou, sem sucesso, intimidar o Conselho dos Justos, que podia conter ou anular sua imaginária prerrogativa para cruzar todas as linhas, esvaziar todas as instituições, ignorar todos os direitos e levar ao desfecho sua carreira de golpista. Seu insucesso na tentativa de domesticar ou intimidar os dois Conselhos, que dividiam com ele os poderes da República, não o levou a conciliações, mas sim a ofensas e ameaças, e à retomada de sua trajetória de golpes.

Não entenderam os adultos, tantas vezes ludibriados com seus gritos de “lá vem o lobo”, que o menino Pedro não deveria escapar das punições devidas, sob pena de nunca crescer. Não ficou claro, para seus camaradas de 30 anos nos Conselhos de Comissários, que ele não se deteria se não fosse detido e afastado por seus golpes reiterados contra o decoro, a moral vigente, e por suas ameaças, ofensas, e mentiras.

Desde o momento em que atiçou seus próprios filhotes para exigirem a revogação, por decreto, da Lei Maior da República, deveria ter ficado claro, para os adultos e para os membros dos Conselhos da República, que sua trajetória só terminaria se, e quando, retomasse o poder absoluto supostamente usurpado. E, o que é pior, ele mesmo organizou manifestações que corroboravam as ameaças de seus lobachos e chegou a reivindicar para si próprio a única encarnação legítima da Tábua da Lei Republicana.

O que está claro é que todos repetiram a omissão diante do menino Pedro: uns passaram a mão em sua cabeça, outros o admoestaram, outros ainda, lamentaram ou tiraram proveito. Em troca, muitos trataram de zombar, ridicularizar, menosprezar e minimizar o risco que ele representa para a sobrevivência da República.

Passaram-se dois anos e meio de “governo” e, a cada semana, repetiram-se as ameaças de ataque de lobos para justificar o “contragolpe” do Chefe Supremo da alcateia.

Assim termina este conto inacabado, sem desfecho e sem moral da história, mas com um golpe anunciado.

No papel de narrador, creio que há três desfechos plausíveis. O primeiro é que todos continuem se omitindo, e que Pedro, o lobo, cada vez mais assustado com a previsibilidade crescente de sua derrota, ceda ao impulso de desencadear, de improviso, uma tentativa de golpe. Dada a previsível fragmentação das profissões armadas, que ele imagina controlar, suas consequências seriam imprevisíveis. Infelizmente, com base na trajetória de todos os protagonistas até agora, este é o desfecho mais plausível.

O segundo mais plausível é que a omissão se repita, e a campanha eleitoral lhe permita organizar suas matilhas para impedir a votação, cumprindo sua ameaça de que “não haverá eleição”. Isto implica uma ruptura efetiva da normalidade constitucional, cujas consequências não sabemos de antemão.

O terceiro é que os Conselhos da República, armados de suas prerrogativas constitucionais, destronem o Chefe Supremo e interrompam sua carreira de golpista. Mas, enquanto ambos os Conselhos de Comissários estão ocupados em se locupletar nas vultosas migalhas que lhes são oferecidas, apenas membros do Conselho dos Justos estão empenhados em impedir um desfecho indesejado. Mas, só serão bem sucedidos se agirem ainda neste ano.

A PRIMEIRA VIA É O ELEITOR

DEU NO ESTADÃO

A primeira via é o eleitor

  • O Estado de S. Paulo * 22 Jul 2021

✽ Hélio Zylberstajn, José A. Guilhon Albuquerque, Maria Tereza A. Sadek e Pedro Abel Vieira

Em nossa democracia representativa, a primeira via para chegar ao poder legítimo é o voto do eleitor. Todas as formas de exercício do poder derivam dessa primeira via, que é a vontade popular. Quem quer que se arvore o título de primeira, segunda ou enésima via, desconsidera o direito do cidadão e o força, muitas vezes, a eleger o menos rejeitado dentre os que pedem o seu voto.

É essa restrição do direito de escolha que induz o cenário desolador em que nos encontramos: instituições desgastadas, governo disfuncional, insegurança jurídica e omissão diante do combate à covid-19 e à pobreza, tudo em detrimento da urgência do reerguimento da economia. E tudo isso também sob uma ordem baseada em desigualdades e privilégios.

Faltam programas, sobram radicalismos e candidatos de costas para as demandas do eleitorado. Para superar este quadro, a sociedade civil precisa retomar a palavra, para manifestar sua insatisfação, exigir respeito a seus direitos como cidadãos e se comprometer com a urgência do resgate da Nação.

Iniciativas ainda desarticuladas têm-se manifestado em prol da retomada do nosso desenvolvimento social, econômico e político. Aos poucos, tais iniciativas explicitam suas expectativas diante de uma campanha eleitoral deliberadamente antecipada, radicalizada e polarizada, em meio à pandemia. Queremos contribuir para a multiplicação dessas iniciativas que expressam os legítimos interesses da maioria e suas prioridades.

É urgente inverter o atual modelo de campanha, que força o cidadão a escolher entre opções sobre as quais não é consultado. É essencial iniciar um processo aberto de debates em que o amplo leque de prioridades dos eleitores mobilize a sociedade civil e ofereça às candidaturas referências para as suas plataformas eleitorais.

É preciso instaurar, para valer, o princípio constitucional da cidadania: todos são iguais perante a lei. Que o acesso à Justiça esteja ao alcance de todos e se respeite cada cidadão sem olhar para cor, riqueza, gênero ou prerrogativa de qualquer natureza. Seu corolário é o princípio da aplicação da lei sem privilégios: combater a eternização e a expansão de um emaranhado de subvenções, subsídios, imunidades, isenções, benefícios privativos, salvo os exclusivamente associados ao combate às desigualdades.

Igualmente indispensável é um enfoque objetivo, articulado e direto dos problemas emergenciais de alta complexidade, cuja superação depende de decisões de diferentes atores públicos e privados. Será preciso coordenar ações em todos os escalões da Federação – nacional, estadual e local – e implementar políticas públicas com total capilaridade.

Estamos em situação comparável a um pós-guerra. Neste contexto, é indispensável enfrentar, de imediato, problemas cujas mitigação ou solução exijam uma abordagem com sentido de urgência. Para começar, temos dois problemas emblemáticos, cujo enfrentamento é vital e depende de enfoque colaborativo e articulado entre o Estado, a sociedade civil, o terceiro setor e as empresas. Ambos são condição necessária para a abordagem bem-sucedida de todos os demais, e suas políticas devem respeitar fielmente os dois princípios já mencionados da igualdade cidadã e do combate à eternização e expansão de privilégios.

O primeiro é a Amazônia, cuja deterioração crescente é uma ameaça imediata à sobrevivência da Nação. O ataque urgente a seus problemas dependerá de construir uma ampla coalizão nacional e internacional, que deveria constar da agenda de um futuro governo, a ser implantada a partir do primeiro dia de mandato – o que, na verdade, pressupõe negociações em andamento desde já entre os que aspiram à Presidência. Um exemplo: o compromisso com parceiros nacionais e internacionais para financiar e implementar, de imediato, o processo de extinção do desmatamento ilegal.

A segunda prioridade vital é a mitigação das sequelas da pandemia sobre as populações mais vulneráveis, o que também exige uma ampla coalizão articulada, nacional e internacional, capaz de financiar e implementar pesquisas, planejamento, formação prévia especializada e multidisciplinar de profissionais e implementação coordenada imediata. O melhor exemplo dessas prioridades seria a recuperação do déficit escolar de milhares de crianças que jamais foram à escola.

Muitos são os problemas vitais de alta complexidade: saúde, educação/crescimento/emprego, violência e criminalidade, degradação urbana, crise fiscal e do Estado, etc. Todos precisam ser enfrentados com ações imediatas – para mitigar os aspectos mais agudos – e com planejamento mobilizador, competente e criativo, que permita superá-los em definitivo no futuro.

O debate que se avizinha não pode ser vazio e opaco, como de hábito. Os candidatos precisam nos dizer o que pretendem fazer para reconstruir a terra arrasada, estender a cidadania a todos os brasileiros e resgatar o Brasil.

Candidatos têm de nos dizer o que pretendem fazer para reconstruir a terra arrasada…

✽ RESPECTIVAMENTE, PROFESSOR SÊNIOR DA FEA-USP; PROFESSOR DE CIÊNCIA POLÍTICA E RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA USP; PROFESSORA DO DEPARTAMENTO DE CIÊNCIA POLÍTICA DA USP; E DOUTOR EM ECONOMIA AGRÁRIA (UNICAMP)

NEUROSE DE DESTINO

PÉROLAS DO DIA-A-DIA

O PSDB, só Freud explica. Sempre vai dividido para as eleições presidenciais. E perde. Se me não engano, Freud diagnosticou o que chamou de neurose de destino, quando alguém repete os mesmos erros e colhe os mesmos fracassos, a que se julga predestinado.

Alckmin, não contente com as divisões do PSDB entre os diferentes Estados, achou de bom alvitre dividir também seu próprio governo em São Paulo. Impôs um vice-governador de outro partido, evitando ter um tucano no comando de São Paulo quando renunciasse para concorrer nas eleições presidenciais de 2018. Para completar a divisão, lançou de paraquedas, para prefeito da Capital, João Dória, um outsider sem experiência e sem compromissos políticos, hostilizando com isso todas as lideranças importantes do Estado.

Deu no que deu. Incapaz de unir seu próprio partido em seu próprio Estado, foi também incapaz de unir o centro, e deixou o PSDB fora do 2° turno, pela primeira vez em sete eleições presidenciais. Mas parece que deixou saudades, porque Dória está seguindo sua trajetória. Dividiu seu próprio partido no Estado, no plano nacional, isolou-se na coalizão de governadores e está tentando impor um candidato de outro partido, criando hostilidade em ambos os lados.

As mesmas causas levando aos mesmos efeitos, caso Dória conseguisse impor sua candidatura pelo PSDB – o que parece cada vez mais remoto – repetiria o sucesso de seu mentor.

Para evitá-lo, os tucanos teriam que calçar as sandálias do pescador e apoiar um candidato mais viável de outro partido, igualmente contrário à parceria Bolsonaro/Lula.

DE TANTO ANDAR DESCALÇO NO MURO, O PSDB PEGA PÉ FRIO

PÉROLAS DO DIA-A-DIA

Tasso Jereissati diz hoje, no Estadão, duas coisas com efeito estratégico sobre atual pré-campanha presidencial. A primeira, já prevista, é que tornou-se incontornável a necessidade de alguma alternativa efetiva à previsível radicalização polarizada. A segunda é que seu partido, o PSDB, deve-se integrar a essa iniciativa, mas não necessariamente impondo seu candidato a presidente.

Se fosse uma atitude isolada do Senador cearense, poderia ser considerada uma iniciativa tática pessoal. Mas, considerando-se que Aécio Neves vem dizendo a mesma coisa com outras palavras, a iniciativa pode vir a ter um efeito estratégico. Explico-me: o PSDB deixaria de ter como objetivo buscar a presidência e, em vez disso, buscaria evitar a previsível e fatal radicalização Bolsonaro-Lula.

Ora, penso eu, o PSDB tem-se comportado como se seus principais caciques preferissem perder com o adversário a ganhar com seus próprios candidatos. Em 2018, chegou à perfeição de dividir-se de tal modo a sequer ir para o segundo turno, que alcançara em todas as quatro últimas eleições. Leva-me a crer que Aécio e Tasso convergem no temor de que uma candidatura peessedebista não apenas já saísse dividida, mas dividisse também o eleitorado de centro. Talvez o PSDB tenha pé frio?

O pressuposto presumível dessa atitude (my educated guess) é de que o apoio do PSDB a um candidato de outro partido, entre aqueles com os quais mais converge, como o Cidadania, o MDB, ou mesmo o DEM, levaria a um imediato realinhamentos da candidaturas de centro e poderia, com maior probabilidade, barrar do segundo turno um dos dois atuais favoritos dos pesquiseiros.

PÉROLAS DO DIA-A-DIA

HUCK E OS PARTIDOS NEM-NEM

DEMOS PARABÉNS AO HUCK POR SUA NOVA FUNÇÃO

Já era tempo do Huck, depois de 6 anos de brincar de líder político, decidir que suceder ao Faustão é melhor do que suceder ao Bolsonaro – melhor para ele e para todos nós.

Curioso como líderes políticos calejados conseguem ver, num aventureiro sem experiência política, seja de bastidores ou de massa, jejuno em matéria de gestão pública, apenas porque brilha nas ribaltas e sabe conversar com renomadas lideranças, possa enfrentar com sucesso uma crise destas dimensões! O destino dos aventureiros é tornarem-se déspotas, esclarecidos ou não. Afinal, ter a pretensão de chefiar o Executivo de um grande e complexo país, com essas magras credenciais, exige um grau extremo de onipotência.

LÍDERES DE PARTIDOS QUEREM DAR O QUE NÃO TÊM A QUEM NÃO QUER

Presidentes do grupo de partidos nem-nem – nem Lula nem Bolsonaro – reúnem-se para negociar um ou mais candidatos comuns às próximas eleições presidenciais. O que se sabe desses partidos é que padecem da mesma fragmentação que atinge a representação política no Brasil. Logo, a autoridade formal de seus presidentes só vale se os demais caciques do partido deixarem e, assim mesmo, nem sempre cumprem o que foi acertado.

Um humorista letrado caricatura o célebre psicanalista francês, Jacques Lacan: “O que qué isso, Jáqui Loucão, você quer dar o que não tem para quem não quer? Sai dessa!!!”. Assim, também, os partidos oferecem o que não podem garantir – a fidelidade de seus correligionários – A seus interlocutores tampouco querem fidelidade de seus competidores, querem sim os benefícios que podem esperar de um futuro Executivo, que sequer foi eleito. Sai dessa!

Se realmente desejam enfrentar a fragmentação dos nem-nem, parem de discutir nomes – que só a reforça – e passem a discutir programas convergentes, que contornem os vetos mútuos e, em troca, façam mútuas concessões. E ouçam a voz do eleitorado.

AQUELA LUZ NO FIM DO TÚNEL?

ESTÁ PISCANDO

Como um raio em dia ensolarado, eis que Bolsonaro promove uma “motocada” em quê, muito além dos insultos habituais ao Estado democrático de direito, à dignidade e à inteligência dos brasileiros, lançou um desafio às Forças Armadas: convocou um general da ativa a participar ostensivamente de um comício, em desrespeito aos regulamentos vigentes e sujeitando-o às punições regimentais. Sua conduta desencadeou um jogo de perder ou perder.

Isto é, se cumprir seu dever, o Comandante do Exército desautoriza a autoridade máxima do País. Se não cumprir, pressionado pelas promessas presidenciais de anular qualquer punição, além de omitir-se de seus deveres, perde a face e a legitimidade para exercer suas funções de liderança.

Caso Bolsonaro seja desautorizado, teria duas opções, ou recuar e perder sua pretensão à onipotência, semeando raiva e ranger de dentes entre seus louvadores, diminuindo ainda mais seu capital de votos seguros, ou desautorizar o Alto Comando do Exército, o que provocará uma perda irreparável para o próprio presidente. São muitas as combinações possíveis, mas as consequências para Bolsonaro são o que mais importa.

Se perde a face, mesmo parcialmente, diminui, por um lado, sua capacidade para arrebanhar seus fiéis seguidores numa demonstração maciça de força, que fosse suficiente para tratorar as instituições, ou para levar seu rebanho às urnas. E, por outro lado, corrói seu poder de atração sobre as camadas militares inferiores, das quais tem sido uma espécie de porta-voz sindical. Neste caso, as consequências variam desde um desprestígio superficial, até o surgimento de novos aventureiros militares dispostos a disputar seu lugar. Sem falar em sua perda total de credibilidade junto ao alto comando das Forças Armadas que, a partir daí, poderia peitá-lo sempre que necessário.

Se desautoriza o Comandante do Exército, terá que confrontar seu Alto Comando e pôr em xeque toda a hierarquia das Forças Armadas, desencadeando o que o vice Mourão classifica, não sem razão, como anarquia. O último Presidente que fez o mesmo foi João Goulart, que participou de uma manifestação de praças e sargentos insurgidos e foi derrubado em 1° de abril de 1964.

Já estávamos nos acostumando com esses surtos intermitentes de insanidade presidencial, sempre contidos interna corporis, supostamente por seu entorno de generais, tidos como parte racional de seu governo. Não mais. Seus generais na Defesa e na Casa Civil não conseguiram ou, o que é mais provável, não acharam relevante barrar essa insanidade.

É cada vez mais difícil manter um mínimo de otimismo.